Comer Afetivo: muito além da comida em si
Quando ouço minhas pacientes falarem sobre culpa ao comer “aquilo que não deviam”, percebo algo importante: não é a comida que está errada, mas as emoções que nos empurram para ela.
O comer afetivo acontece quando usamos o alimento como válvula de escape ou prazer — e isso é humano, natural e, acima de tudo, carregado de significado. Se ignorarmos esse contexto emocional e nos atermos apenas às calorias ou macronutrientes, vamos propor intervenções que, na prática, não se sustentam.
A complexidade por trás do comer afetivo
O que é comer afetivo?
Resposta natural às emoções: conforto em um pedaço de bolo, celebração com um drinque, alívio em um pacote de biscoitos.
Relação direta com sentimentos de estresse, tédio, alegria, ansiedade, saudade.
Por que comer emocional acontece?
Mecanismos neuroquímicos: dopamina e serotonina acionadas por alimentos ricos em açúcar e gordura.
Conexões afetivas e memórias: receitas da infância, rituais familiares.
Falta de estratégias de regulação emocional: comida como substituto de outras formas de cuidado.
Quando o comer afetivo se torna um problema
Compulsões frequentes que geram culpa e prejudicam a autoestima.
Ciclo de restrição + descontrole (“efeito sanfona”) que afeta metabolismo e humor.
Por que dietas focadas apenas em nutrientes não funcionam
A limitação de contar calorias
Obediência cega a planos que não respeitam o contexto biopsicossocial.
Perda de motivação quando pacientes sentem que “falharam” ao comer emocionalmente.
O valor da nutrição comportamental
Enfoque no comportamento alimentar, nas rotinas e nos gatilhos emocionais.
Planejamento que envolve a pessoa como um todo, não apenas seu consumo diário de macro e micronutrientes.
Ferramentas comportamentais para lidar com o comer afetivo
Escuta ativa e auto-observação
Registro de emoções: anotar quando o desejo surge e o que o motivou.
Mapa de gatilhos: identificar situações, locais e sentimentos que disparam o comer emocional.
Práticas de regulação emocional
Respiração consciente: 4–7–8 ou respiração diafragmática antes de decidir comer.
Mindful eating (atenção plena): desacelerar, saborear cada garfada, conectar-se aos cinco sentidos.
Exercícios de autocuidado: banho relaxante, leitura, caminhada ao ar livre.
Ferramentas de autoconhecimento
Escrita reflexiva: diários que relacionem emoções, fome e saciedade.
Auto-percepção corporal: escutar sinais de estresse vs. fome física.
Rotinas de autocuidado: sono regular, pausas conscientes, atividades prazerosas.
Papel da equipe multidisciplinar
Psicólogos e terapeutas para abordar questões emocionais profundas.
Educadores físicos para promover movimento prazeroso.
Nutricionistas integrando todas as áreas com abordagem empática.
Caminhos para começar hoje mesmo
Reconheça o comer afetivo: sem julgamentos, observe quando e por quê ele acontece.
Adote o registro de emoções: use um caderno, app ou gravação de voz para mapear situações.
Pratique atenção plena em uma refeição diária: desligue telas, respire fundo, saboreie.
Inclua ferramentas de regulação: antes de comer, pare 2 minutos para respirar ou alongar.
Busque apoio: avalie se terapia ou grupos de apoio podem ajudar na regulação emocional.
Trabalhe a equipe: integre nutricionista com psicólogo, educador físico e outros, se possível.

Conclusão
O comer afetivo faz parte da experiência humana. Não se trata de combatê-lo a todo custo, mas de compreendê-lo, acolhê-lo e regular as emoções que dele emergem. A nutrição comportamental oferece o caminho para integrar corpo, mente e sentimentos em práticas simples e sustentáveis. Ao focar no que vem antes da comida, damos base para escolhas mais conscientes e duradouras — e, acima de tudo, mais gentis com nós mesmas.
Júlia Menezes
Nutricionista Comportamental e Integrativa