Quantas vezes você já se olhou no espelho e sentiu que precisava mudar algo?
Quantas vezes subiu na balança e deixou aquele número decidir se o seu dia seria bom ou ruim?
Durante muito tempo, eu também vivi essa relação silenciosa — e às vezes cruel — com o corpo.
Como nutricionista e mulher, aprendi cedo a medir meu valor em quilos e centímetros, acreditando que um corpo “adequado” era sinal de saúde, disciplina e sucesso. Até entender, depois de muita escuta e estudo, que o corpo é bem mais que uma forma: ele é um espaço de vida, percepção e linguagem.
E se o corpo já soubesse o que precisa — e só nos faltasse aprender a ouvi-lo?
Essa pergunta transformou minha prática e minha forma de cuidar de mim e das pessoas que acompanho. Porque, quando a escuta do corpo se torna o centro do cuidado, deixamos de perseguir números e passamos a viver uma saúde que realmente faz sentido.
Neste texto, quero te convidar a olhar para o corpo de outro jeito.
A desacelerar o olhar crítico e se abrir para uma escuta gentil e curiosa.
Porque o corpo fala, o tempo todo — mas, muitas vezes, estamos ocupados demais tentando controlá-lo, ao invés de compreendê-lo.
O que é, afinal, escutar o corpo?
Escutar o corpo é um ato de reconexão.
É um processo de presença e curiosidade, onde passamos a perceber os sinais que ele emite — fome, saciedade, dor, prazer, cansaço, ansiedade, alegria, tensão — sem julgá-los ou tentar encaixá-los em regras externas.
Na prática, a escuta do corpo é o oposto da lógica da dieta, que ensina a desconfiar da fome e a buscar controle.
Enquanto a dieta diz “coma de três em três horas” ou “elimine tal alimento”, a escuta diz: “sinta o que faz sentido pra você hoje”.
Esse processo é profundamente ligado à nutrição comportamental, uma abordagem que entende o comer não apenas como um ato biológico, mas também emocional, social e cultural.
Comer é se relacionar — e toda relação saudável começa com escuta.
Quando começamos a observar nossos padrões de fome, nosso apetite, nossas vontades e até nossas resistências, o corpo se revela como um guia sábio. Ele nos mostra o que precisa para funcionar bem, o que o deixa confortável, o que o sobrecarrega.
Mas para isso, é preciso reaprender a ouvir.
A cultura da dieta e o silenciamento do corpo
A cultura da dieta — esse conjunto de crenças que valoriza corpos magros, impõe restrições alimentares e associa comida a culpa — nos desconectou profundamente de nós mesmos.
Ela nos ensinou que o corpo é um problema a ser resolvido, e não uma casa a ser habitada.
Desde cedo, aprendemos a calar sinais naturais, como fome ou prazer.
Aprendemos que sentir fome é fraqueza. Que comer é perigoso. Que o corpo precisa ser controlado.
Mas o controle gera exatamente o oposto da saúde: gera medo, culpa e distanciamento.
A nutrição comportamental propõe um retorno à escuta.
Ela convida a perceber as emoções que acompanham a alimentação, as crenças que moldam nossas escolhas e os automatismos que nos afastam de um comer consciente.
Escutar o corpo é permitir que a comida volte a ter o papel de nutrir, e não de punir.
O corpo não é um exame
Muitas vezes, escuto pessoas dizerem: “Meus exames estão bons, mas eu me sinto exausta” ou “Meu peso está normal, mas eu não me reconheço”.
Essas falas mostram o quanto ainda medimos saúde apenas por dados objetivos — exames, IMC, medidas — sem considerar o sentir.
O corpo não cabe em números.
Ele fala por sensações, por sinais sutis, por ritmos.
E quando não escutamos, ele encontra outras formas de chamar nossa atenção: um cansaço persistente, uma digestão difícil, um sono leve, um humor oscilante.
A escuta do corpo nos ajuda a antecipar esses sinais antes que se tornem sintomas.
É um convite a um cuidado preventivo, intuitivo e amoroso.
O reencontro com o corpo como caminho de liberdade
Durante minha trajetória como nutricionista e terapeuta corporal, percebi algo em comum entre as mulheres que atendo: todas desejam paz com o corpo.
Não a paz ilusória de quem “chegou ao peso ideal”, mas a paz de quem se sente confortável em existir.
A escuta do corpo é o caminho mais direto para essa paz.
Porque, quando começamos a ouvi-lo, descobrimos que ele não é um inimigo. Ele não está nos sabotando. Ele só está tentando se comunicar — e quando aprendemos sua linguagem, tudo muda.
O corpo se torna um aliado.
A comida deixa de ser um campo de batalha.
E o autocuidado deixa de ser uma obrigação, para se tornar prazer.
Comer com presença: um ato de reconexão
Quantas vezes você come olhando o celular, respondendo mensagens ou vendo TV?
Quantas vezes percebe que terminou o prato, mas nem sentiu o sabor da comida?
Comer com presença é um dos exercícios mais potentes da escuta do corpo.
Não se trata de comer “devagar” por obrigação, mas de realmente estar ali — com os sentidos, com o paladar, com a curiosidade.
A cada garfada, é possível perceber o gosto, a textura, o cheiro, a satisfação.
Isso muda tudo.
A comida volta a ser experiência, e não distração.
E quando comemos com presença, naturalmente comemos na medida certa — sem restrição, sem exagero, apenas o que o corpo pede.
O corpo fala por meio das emoções
Nossos sentimentos também são formas de comunicação corporal.
A ansiedade, o tédio, a alegria, a carência — tudo isso influencia o modo como comemos e cuidamos de nós.
Na nutrição comportamental, aprendemos a observar essas emoções sem culpa, reconhecendo que comer emocionalmente não é um erro, mas um sinal.
Talvez o corpo esteja pedindo descanso, talvez esteja pedindo acolhimento.
A escuta do corpo é, antes de tudo, um ato de empatia consigo mesma.
Questionar crenças e padrões
Outro passo essencial é começar a questionar o que acreditamos sobre o corpo e sobre comer.
Quantas regras você segue sem saber de onde vieram?
Quantas vezes já acreditou que precisava “compensar” uma refeição?
Ou que prazer é sinônimo de descontrole?
A escuta do corpo nos devolve o direito de sermos humanos — de comer com prazer, de descansar sem culpa, de sermos imperfeitos.
Ela substitui o “deveria” por “sinto”, e o “preciso mudar” por “preciso me ouvir”.
A verdadeira saúde começa quando paramos de lutar contra o corpo
Acredito profundamente que saúde é resultado de vínculo — e não de vigilância.
O corpo saudável não é o corpo que obedece regras externas, mas o que se expressa com liberdade e equilíbrio.
E isso só é possível quando há escuta.
Por isso, quero te propor um exercício simples:
Durante um dia, observe o seu corpo sem julgá-lo.
Note a fome, o sono, a energia, as tensões.
Perceba o que muda ao longo do dia, o que desperta prazer, o que pede pausa.
Não corrija, apenas escute.
Esse é o primeiro passo para transformar sua relação com a comida, com o espelho e com você mesma.
A escuta do corpo como prática diária
Escutar o corpo não é um estado permanente, é uma prática constante.
Alguns dias será mais fácil, outros mais desafiador.
Mas, quanto mais cultivamos essa escuta, mais afinamos nossa sensibilidade e fortalecemos nossa autonomia.
Não há receitas prontas, mas há caminhos.
E a nutrição comportamental é uma bússola preciosa para quem deseja caminhar com o corpo, e não contra ele.
Ela nos ensina que cuidar não é restringir — é acolher, compreender e equilibrar.
O corpo não precisa ser consertado.
Ele precisa ser ouvido.
Conclusão: caminhar ao lado do corpo
A escuta do corpo é um gesto revolucionário num mundo que nos ensina a desconfiar dele.
É escolher se cuidar a partir do sentir, e não da exigência.
É sair da lógica da performance e entrar na lógica da presença.
Quando deixamos de lutar contra o corpo, passamos a caminhar ao lado dele.
E é nesse movimento — de parceria, de gentileza, de curiosidade — que a saúde floresce de verdade.
Não é sobre peso, é sobre presença.
Não é sobre controle, é sobre confiança.
E talvez essa seja a forma mais profunda de liberdade que o corpo pode nos oferecer.
Vamos juntas? 🧡
Com carinho,
Júlia Menezes
Nutricionista Comportamental e Integrativa




