O impacto silencioso da gordofobia e como a nutrição comportamental pode ajudar

Dois extremos que afetam a relação com o corpo

Esse é um tema que exige sensibilidade, porque fala de dor, exclusão, julgamento — e também de resistência e amor-próprio.
De um lado, temos a gordofobia, o preconceito que faz o corpo gordo ser visto como errado, doente ou menos digno. Do outro, a romantização da obesidade, uma tentativa de responder à opressão, mas que às vezes leva à negação dos próprios cuidados.

Como nutricionista comportamental e integrativa, eu enxergo diariamente como esses dois extremos adoecem o corpo e a mente. Ambos reduzem a complexidade de quem somos a uma aparência física.
Mas saúde não é sinônimo de magreza, e autoaceitação não é sinônimo de descuido.

Entre esses polos, existe um caminho possível — um lugar de equilíbrio, consciência e acolhimento, onde o corpo é escutado com respeito e o cuidado nasce de dentro, não da culpa.

A gordofobia como forma de preconceito estrutural

A gordofobia está presente em todos os espaços — nas conversas entre amigos, nos comentários em redes sociais, nas consultas médicas e até nas piadas do cotidiano. É a ideia de que o corpo gordo vale menos, é preguiçoso, feio, incapaz, “sem merecimento”.

Essa visão é herança de uma cultura que associa valor moral à aparência.
Pessoas gordas são constantemente reduzidas à sua forma física, como se sua inteligência, competência ou sensibilidade estivessem ligadas ao tamanho do corpo.

Na área da saúde, isso se torna ainda mais grave.
Muitos profissionais deixam de investigar sintomas e ignoram o sofrimento do paciente, resumindo tudo a “você precisa emagrecer”.
Essa é uma forma de violência simbólica e institucional, que impede o acesso à saúde integral.

Já atendi pacientes classificadas como obesas pelo IMC, mas que estavam metabolicamente saudáveis — com exames equilibrados, boa vitalidade e hábitos consistentes. Mesmo assim, não eram levadas a sério.
Por outro lado, já recebi pessoas dentro do “peso ideal” que apresentavam exaustão, compulsão alimentar, inflamações e desequilíbrios hormonais severos.

Esses casos mostram que a gordofobia não é apenas um problema social — é também um problema de saúde pública, porque gera negligência, exclusão e adoecimento emocional.

O impacto da gordofobia na saúde física e emocional

Ser alvo de gordofobia não é apenas lidar com comentários maldosos. É conviver com a sensação constante de inadequação.
É entrar em uma loja e não encontrar roupas no seu tamanho.
É perceber olhares de julgamento no ônibus, no trabalho, na academia, no consultório.
É ser ensinada, desde cedo, a odiar o próprio corpo.

Tudo isso gera culpa, ansiedade e desconexão corporal.
E essa desconexão cria um ciclo cruel: quanto mais alguém se sente inadequado, mais se distancia da escuta do corpo — e, consequentemente, mais difícil se torna cuidar de si.

A nutrição comportamental ensina justamente o oposto: a se reconectar, a escutar o corpo com curiosidade e gentileza, a reconhecer seus sinais de fome, saciedade e prazer.
Quando a alimentação deixa de ser um castigo e passa a ser um ato de presença, o corpo começa a se reorganizar naturalmente.

Por isso, combater a gordofobia não é apenas uma questão de justiça social — é também uma prática de saúde mental e emocional.

A romantização da obesidade como resposta à gordofobia

O movimento contra a gordofobia foi e é extremamente necessário.
Ele trouxe visibilidade para corpos historicamente silenciados e devolveu dignidade a muitas pessoas.
Mas, como toda reação a uma ferida profunda, ele também corre o risco de ir ao outro extremo: o da romantização da obesidade.

Quando a aceitação corporal vira um escudo para negar o próprio cuidado, algo se perde.
Já ouvi pessoas dizerem “me amo do jeito que sou” enquanto ignoravam sintomas claros de inflamação, resistência à insulina, dores ou fadiga extrema.
Amar o corpo é também cuidar dele.
Aceitar-se não significa fechar os olhos para o que precisa de atenção.

A saúde é complexa, multifatorial.
Não se trata de perseguir um corpo ideal, mas de cultivar um corpo possível, em harmonia com sua história, seu metabolismo, suas emoções e suas escolhas.
A romantização da obesidade, quando leva à negação do cuidado, acaba se tornando tão danosa quanto a gordofobia que tenta combater.

O corpo não é um valor moral

Um dos maiores equívocos da nossa cultura é acreditar que o corpo define o caráter, o merecimento e até o sucesso de alguém.
Mas o corpo não é um valor moral — ele é um território vivo, em constante transformação, que guarda nossa história, nossas emoções e ancestralidades.

Corpos magros, gordos, pretos, brancos, com cicatrizes, curvas ou estrias — todos são expressões legítimas da vida.
A diversidade corporal é natural, especialmente em um país como o Brasil, onde convivem tantas etnias e biotipos diferentes.

No entanto, o padrão de beleza dominante ainda é magro, branco e jovem — o que faz com que a maioria das pessoas viva em guerra com o espelho.
E essa guerra nunca é saudável.

Na nutrição comportamental, entendemos o corpo como parte do todo: físico, emocional, mental e espiritual.
Não é apenas sobre comer bem, mas sobre reconhecer-se no próprio corpo sem punição.
Quando o cuidado parte do amor e não da culpa, ele se torna sustentável.

A inadequação do IMC como único indicador de saúde

Durante muito tempo, o IMC (Índice de Massa Corporal) foi usado como referência absoluta para definir se uma pessoa era saudável ou não.
Mas hoje sabemos que o IMC, isoladamente, é um marcador limitado — ele não diferencia massa muscular de gordura, não considera idade, genética, composição corporal ou histórico familiar.

Reduzir a saúde a um número é ignorar toda a complexidade que existe em um corpo.
Na prática clínica, vejo pessoas com IMC acima do “ideal” apresentarem exames excelentes, rotina ativa e uma relação saudável com a comida.
Enquanto outras, com IMC considerado “normal”, convivem com inflamações, compulsão alimentar e distorção de imagem.

A verdadeira avaliação da saúde precisa olhar além dos números: observar o sono, o humor, a energia, o prazer em comer, o funcionamento intestinal, a menstruação, o desejo sexual e o bem-estar emocional.

Saúde é presença, não aparência.

A importância da escuta e do acolhimento na prática profissional

Um dos pilares da nutrição comportamental é a escuta ativa.
Escutar é mais do que ouvir: é acolher a história que cada corpo carrega, sem julgamentos, sem pressa e sem imposição.

Cada pessoa tem um contexto, uma vivência, uma trajetória com a comida e com o corpo.
Quando o profissional se coloca nesse lugar de respeito, a consulta se transforma em um espaço seguro de reconexão.

Na minha prática, sempre busco acolher primeiro, intervir depois.
Porque ninguém muda por medo ou culpa — mas sim por consciência e desejo de cuidar de si.

A nutrição integrativa e comportamental trabalha exatamente esse ponto de encontro entre ciência, emoção e escuta do corpo.
Não se trata de forçar uma forma, mas de descobrir o que faz sentido e bem para aquele corpo único.

A influência dos padrões estéticos e raciais na percepção do corpo

A gordofobia não é apenas sobre peso — é também sobre poder, estética e colonialidade.
O padrão de beleza dominante é resultado de uma história que valoriza o corpo branco, europeu, magro e jovem.
Isso exclui grande parte da população brasileira, que é diversa, mestiça e plural.

Essa exclusão não é apenas simbólica: ela se reflete em oportunidades de trabalho, relacionamentos, representatividade na mídia e até na forma como cada um se enxerga.

Quando o corpo foge do padrão, ele passa a ser lido como falha.
E isso é profundamente injusto, porque faz com que milhões de pessoas sintam vergonha de existirem como são.

Descolonizar o olhar sobre o corpo é um ato de cura coletiva.
É reconhecer que a beleza é múltipla, diversa e viva — e que saúde não tem forma única.

As consequências sociais da gordofobia

A gordofobia atravessa todas as esferas da vida.
Pessoas gordas têm mais dificuldade em conseguir emprego, sofrem discriminação em relacionamentos, são alvo de bullying e enfrentam constantes microagressões no dia a dia.

Esse tipo de exclusão gera isolamento, depressão e transtornos alimentares — e reforça o ciclo de sofrimento.
Enquanto isso, o discurso do “corpo ideal” é alimentado por uma indústria bilionária de dietas e estética que lucra com a insegurança das pessoas.

A consequência é uma sociedade cada vez mais doente, desconectada do prazer de comer, do descanso e do corpo real.

É por isso que falar de gordofobia é também falar de cuidado, escuta e política do corpo.
Não existe saúde em uma cultura que ensina o ódio corporal como disciplina.

O caminho do meio: promover saúde com responsabilidade e amor

Entre a gordofobia e a romantização da obesidade existe um espaço de consciência — o caminho do meio, onde é possível cuidar da saúde com amor, sem culpa e sem negação.

É nesse lugar que a nutrição comportamental atua: promovendo o equilíbrio entre corpo, mente e comportamento alimentar.
Cuidar do corpo não é puni-lo nem abandoná-lo, mas honrá-lo.
É entender que comer bem, mover-se e descansar são expressões de amor-próprio, não de submissão a padrões.

Meu convite é:
✨ Pare de olhar para o corpo como certo ou errado.
✨ Escute o que ele te diz — fome, cansaço, prazer, desconforto, alegria.
✨ Busque profissionais que acolham e não julguem.
✨ Permita-se viver o cuidado de forma leve e sustentável.

A saúde não mora nos extremos — ela floresce no equilíbrio.
E o corpo, quando é ouvido e respeitado, sabe muito bem o caminho de volta ao bem-estar.

Conclusão: o corpo como expressão da vida

A gordofobia e a romantização da obesidade são dois lados da mesma moeda — ambos distorcem a relação com o corpo e com a saúde.
O que precisamos é de uma nova forma de olhar: uma que una consciência e compaixão.

O corpo não é um erro a ser corrigido nem um troféu a ser exibido.
Ele é o lugar onde a vida acontece.
E quando aprendemos a escutá-lo, com respeito e presença, o cuidado se transforma em liberdade.

Vamos juntas? 🧡

Com carinho,
Júlia Menezes
Nutricionista Comportamental e Integrativa

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Júlia Menezes

Nutricionista pela UFOP, Terapeuta corporal e Doula, com formações diversas em Terapia Cognitiva Comportamental, Saúde da Mulher e Ginecologia Natural, Terapia Cannábica, Terapia Sensorial. Propõe uma nutrição integrativa e gentil, que valoriza comida de verdade e respeita a história e ritmo de cada um. Sem dietas restritivas, tem como foco acolher o porquê das escolhas alimentares e como torná-las mais nutritivas e gostosas, envolvendo o contexto de vida, hábitos, sentimentos e demandas em saúde. Não se trata apenas de alimentação, mas de tudo que de alguma forma está relacionado a ela, sendo o conhecimento, consciência e prazer, as chaves para se estar em paz com a comida e corpo.

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